Por muitos anos, os produtores rurais ficaram à margem da legislação de recuperação judicial. Mas isso mudou. Desde decisões pioneiras dos tribunais superiores e alterações interpretativas da jurisprudência, a recuperação judicial passou a ser uma ferramenta viável também no campo — oferecendo aos agricultores e pecuaristas a chance de reestruturar suas dívidas e manter suas atividades em funcionamento.
Neste artigo, explicamos de forma clara e objetiva como funciona a recuperação judicial para o agronegócio, quem pode pedir, os critérios exigidos e os principais desafios enfrentados no processo.
O que é a recuperação judicial?
A recuperação judicial é um instrumento previsto na Lei nº 11.101/2005, que permite a empresas em dificuldades financeiras apresentarem um plano de reorganização para seus credores. O objetivo é evitar a falência, renegociar dívidas e preservar empregos, contratos e a função social da atividade econômica.
No caso do agronegócio, isso pode significar manter a colheita, salvar o rebanho e preservar anos de investimento em infraestrutura rural.
Produtor rural pode pedir recuperação judicial?
Sim, desde que comprove a atividade empresarial regular e contínua. O grande ponto de debate é que muitos produtores atuam como pessoa física, sem registro formal como empresa. Ainda assim, a jurisprudência atual — incluindo decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — reconhece que é possível o pedido de recuperação judicial desde que o produtor:
- Comprove o exercício da atividade rural por pelo menos 2 anos;
- Apresente documentos contábeis ou fiscais compatíveis com esse período (como declarações de imposto de renda e notas fiscais);
- Tenha registro de CNPJ, mesmo que obtido recentemente.
Ou seja, não é preciso ter atuado como pessoa jurídica durante todo o tempo — mas é necessário demonstrar a organização empresarial da atividade rural ao longo dos dois anos anteriores ao pedido.
Quais são os benefícios da recuperação judicial para o produtor rural?
- Suspensão das execuções: uma vez aceita a recuperação judicial, todos os processos de cobrança e execuções fiscais (exceto as tributárias) ficam suspensos por 180 dias.
- Renegociação de dívidas com prazos e descontos: o produtor apresenta um plano de pagamento viável para os credores, que pode incluir reduções de juros, alongamento de prazos e deságio no valor principal.
- Manutenção da atividade produtiva: evita-se a liquidação de máquinas, imóveis e insumos essenciais à continuidade da fazenda.
- Preservação de empregos e contratos: o produtor ganha tempo para reorganizar o fluxo de caixa e manter sua função econômica e social.
Quais os desafios e cuidados necessários?
Apesar de ser uma ferramenta poderosa, a recuperação judicial não é simples nem automática. Alguns pontos merecem atenção especial:
- Organização documental: é essencial apresentar balanços, relatórios de atividades, relação de credores, livros fiscais e contábeis. Muitos produtores não mantêm essa documentação de forma adequada, o que pode inviabilizar o pedido.
- Atuação de equipe multidisciplinar: é fundamental contar com apoio de advogados, contadores, economistas e administradores judiciais para elaborar um plano realista e juridicamente válido.
- Relação com os credores: bancos, fornecedores e parceiros precisarão aprovar o plano de recuperação. Isso exige negociação estratégica e construção de confiança.
- Riscos de indeferimento: caso os requisitos legais não sejam cumpridos ou se o plano não for aprovado, o produtor pode acabar conduzido à falência — o que implica na perda de bens e na interrupção das atividades.
Conclusão: o agronegócio pode (e deve) usar a recuperação judicial de forma responsável
A recuperação judicial deixou de ser um instrumento exclusivo das grandes indústrias urbanas. Hoje, o produtor rural pode e deve enxergá-la como um caminho legal para manter sua atividade em tempos de crise.
Contudo, o sucesso do pedido depende de preparo técnico, estratégia jurídica e comprovação de que a atividade agrícola é organizada e contínua. Mais do que nunca, o campo precisa de gestão profissional — e a recuperação judicial é parte desse novo paradigma.
Autores:
Eduardo Tiago Ribeiro – Eduardo@dprz.com.br
André Henrique Vallada Zambon – Andre@dprz.com.br